Direito de Família na Mídia
ENTREVISTA — Ivone Coelho de Souza fala sobre Mulher e Direito de Família
06/03/2009 Fonte: Ascom IBDFAM"É preciso detonar a hierarquia, custe o que custar. Isto se faz não apenas respeitando, mas cultivando as diferenças". É este o caminho apontado pela psicóloga Ivone Coelho de Souza para solucionar os entraves entre os gêneros.
Ivone além de vice-presidente do IBDFAM-RS, é uma atuante e reconhecida militante no movimento de mulheres em Porto Alegre (RS). Está no JusMulher - entidade que presta serviço jurídico e psicológico às mulheres de baixa renda - desde sua criação e hoje também ocupa o cargo de vice-presidência.
Convidada para uma entrevista especial sobre o Dia Internacional da Mulher, a feminista é uma crítica à data e sugere que esta seja denominada Dia Internacional dos Direitos da Mulher.
Acompanhe aqui um ping-pong rápido que traz a visão da psicoterapeuta feminista sobre mulher e Direito de Família.
IBDF@M - Como você foi sua trajetória no movimento de mulheres? Como surgiu o interesse e como começou?
I. Meu interesse começou por ser mulher, simplesmente. E, logo que pude, contemplando as "n" faces de uma mulher. Como ela se vê, como se conduz, como passa isto. Gostei tanto que coloquei duas no mundo.
Dai a me dirigir profissionalmente para o estudo da feminilidade foi um pulo. Mas comecei com homens, quando acadêmica. Confesso e de bom grado, que com eles aprendi metade do que sei hoje sobre psicologia da mulher.
A primeira "concentração" foi em uma Maternidade de POA, local e momento de xeque para a mulher. Lá me introduzi nas questões do aborto, com o que me preocupo inconclusivamente até hoje.
IBDF@M - Segundo o Conselho Federal da OAB, 42% dos advogados no Brasil são mulheres. Mas, no STF, em 11 cadeiras, apenas duas são ocupadas por mulheres. Isso se repete no meio da Psicologia? Como você enxerga a realidade da mulher na carreira jurídica e da psicoterapia no Brasil?
Ivone - Não é preciso estar no STF para se desincumbir integralmente das funções para as quais tantas mulheres juristas têm se preparado com tanto afinco e correspondido com tanto brilho. E já chegaram lá, são presenças destacadas. Mas na Suprema Corte, como em tantos outros planos da vida pública, talvez, antes de pensar em grandes proeminências, o mais importante seja a participação de fato, aquela que ousa, que conquista, que investe em si mesma, que transforma o seu meio e o seu tempo. A presença feminina na Psicologia é um pouco diferente da do Direito. Trata-se de uma prática mais recente, hoje inclusive dominada numericamente por elas, que desde o inicio, na Europa, puderam se incluir no estudo, embora não fosse favorável já naquele tempo a mulheres ilustradas, pesquisadoras, etc
I@- A lei sempre está há alguns passos da real demanda da sociedade. Quais as alterações legislativas que são, em sua opinião, mais prementes para que o nosso código civil se adeque às reais necessidades das mulheres brasileiras?
I. - Me parece antes de tudo, cuidados, agilidade, prioridades, para que as leis existentes sejam de fato implantadas com eficiência e cada vez mais um efetivo recurso ao alcance de todo cidadão.
IBDF@M - Mas você acredita que se o Estatuto das Famílias for aprovado, essa efetividade da lei, pode, enfim, existir?
Não vejo garantias. Um verdadeiro processo de transformações começa de baixo para cima. Qualquer tentativa, bem-vinda, de evolução mantém "pontos cegos" que o dispositivo não pode atingir. Não adianta totalmente tentar proteger quem ainda não "pode" ser protegido, para me ater à mulher. Penso obsessivamente nas suas responsabilidades quanto à mudança, tanto as de dentro quanto as de fora e são sempre interdependentes.
I@ - A Lei Maria da Penha foi paradigmática e representou, na letra, um enorme avanço. Por que não temos ainda resultados efetivos?
I. - Pelos motivos que mencionei antes, além da previsível resistência à "ameaça" que a 11.340 traz ao ampliar a preocupação com outros dolos, extraordinários, que contemplam a subjetividade, a discriminação, o abuso, antes não tão valorizados neste plano. A MP assinala o início de tempos em que as vítimas não serão mais tão passivas, se insurgirão através das garantias do Estado. Percebido isto, latentemente, alguns obstáculos vão emergir.
I@ - As quais obstáculos você se refere?
Me refiro a obstáculos que ordinariamente reagem ao que muda. Volto à responsabilidade da mulher que, se conquistar coisas, vai ter também que promover uma troca, porque tudo que se agrega tem de ser às custas de ceder alguns impeditivos e estes são basicamente internos, psicológicos. Há pouco contribui com um artigo para um livro sobre violência e me referia que enquanto, desgraçadamente, os homens ainda vão à guerra, a guerra das mulheres prevê um duplo front e para um ou outro pode não estar ainda adequadamente preparada. Vai ser difícil se despir da condição vitimada e partir para a ativa, promover-se a si mesma. Mas o esforço do Estado é palpável e quando a educação (não a formal) deixar de ser diferenciada, estará ganha a guerra.
I@ - O STF tem julgado ações em que as amantes reivindicam os mesmo direitos adquiridos pelas esposas. Nessas decisões, o relacionamento adulterino não foi equiparado à união estável, sendo negado os direitos à amante, mas algumas jurisprudências dizem o contrário. Como você enxerga isso?
I. - Nem sei bem o que enxergo ... mas certamente, não vejo nenhuma vantagem, nenhuma promoção à figura ativa e preservada da mulher, sujeito de sua condição, capaz de edificar seu próprio espaço, independente deste ou daquele tipo de vínculo que tenha construído.
I@ - Qual é a nota (de 0 a10) que o Brasil merece no quesito igualdade de gêneros?
I. - Não nos iludamos comparativamente a sociedades mais ricas, mais educadas. Como se trata antes de tudo de entraves internos ligados a questões de gênero que procedem do desenvolvimento precoce, o Brasil não afasta do que temos visto mais longe. Segundo avalio, a nota, contabilizando todos os ganhos recentes, mal dá para uma aprovação, voando baixo, em termos gauchescos. Mas podíamos favorecer um pouco as coisas, entendendo e nomeando o 08/03 como DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS DA MULHER, pelo histórico da data e porque, convenhamos, Dia da Mulher é um anacronismo bem maroto.